por Míriam Tawil
O Mundo Fashion ressoa na subjetividade das modelos como algo que, se por um lado as valoriza, por outro lhes rouba o passado, causando transtornos da identidade. O glamour e a oportunidade de ter uma ascensão social são oportunidades únicas de contato com as diversas áreas da cultura.
Modelos muitas vezes referem-se ao Mundo Fashion como “mundinho”. Nos bastidores, a ruptura com as raízes é vivida, às vezes, de forma muito dolorosa. Os dois mundos, o antes e depois de iniciar a carreira, são integrados ou, antagonicamente, mantidos separados, fazendo com que a memória, a afetividade e as relações com os outros fique propositadamente superficial, um subterfúgio para evitar o contato com perdas.
Contemporaneamente ser modelo é muito valorizado. Consagradas em concursos ou escolhidas por agentes, são consideradas padrão de beleza e são imitadas pelos jovens. Usei entrevistas livres acompanhadas com desenhos. Quando não podiam responder à pesquisa ou desenhar, era um indício de grande turbulência e má adaptação, gerando a negação dos problemas. Notei na identidade dos modelos a presença de falso self. Seria um traço profissional? A estrutura familiar dessas moças costuma ser de classe média baixa. O dinheiro fácil é um chamariz. Se antigamente as mulheres deviam se casar, hoje a independência econômica é prioritária. Poucas entrevistadas estavam casadas. Muito poucos tinham parentes na mesma profissão. A temática mais relevante nas entrevistas e nos desenhos foi a falta da família, o desgosto com a cidade grande poluída e a nostalgia do mundo infantil, tão cedo perdido.
Ao chegarem a meu consultório, argumentavam para quê iriam servir as entrevistas. Ao dizer-lhes que não as fotografaria exteriormente, mas interiormente, fazendo com que se conhecessem melhor, conquistava-as. Pareceu-lhes muito importante, tanto que uma indicava outra para a pesquisa, e pude então inclusive catalogar conselhos e recomendações para as mais novas na profissão. Quando o nível de angústia era tolerado, o teste servia como uma catarse, eu era alguém que se interessava e tinha uma resposta para suas inquietações. Nenhuma se recusou a vir ou voltar para novas entrevistas, embora motivos não faltassem, como dificuldades de achar horário ou viagens freqüentes e súbitas - os testes são diários e as contratações são feitas no ato.
A disponibilidade delas parece ser infinita para o trabalho. Pude observar que os modelos mais maduros tinham limites claros quanto ao que valorizavam como ético ou não A cidade é perigosa em vários sentidos, e todas sabem disso. A agência tem a guarda das meninas menores de idade de outras cidades. Aloja-as em apartamentos ou nas casas de funcionários da própria agência. As jovens pagam um aluguel, quando moram em apartamentos. A escola é pouco incentivada, ao contrário dos cursos de ginástica, a academia e aulas de inglês.
Mesmo quando grátis, ouvi de um gerente que poucas vão. O índice de faltas é muito grande. Assim como faltam a compromissos escolares, faltam a entrevistas psicológicas. Suas vidas são mesmo instáveis e imprevisíveis.
Não existe o modelo sem uma estória. Ela chega a essa profissão levada por um conjunto de circunstâncias que geralmente culminam num concurso que é ganho e com isso vem a consagração do modelo como algo que é legitimado. Cada pessoa sente sua beleza de forma única, sendo que a adolescência é um momento de extrema mudança, um período de transição normal, mas que apesar disso tem o título de Síndrome (Síndrome da Adolescência Normal – M. Knobell). E é nessa faixa etária que elas estão em pleno processo de profissionalização, de controle de medidas sobre seu instrumento de trabalho.
O corpo como imagem da marca é uma questão muito ampla, e no mundo fashion mais ainda. O corpo da modelo deve ter as medidas de acordo com a agência que as contrata. Senão, estão fora. O critério padrão de saúde é diferente do estético. Pude observar rupturas, fragilidade, esperança-desesperança, sensação de vazio, auto-rejeição, solidão, saudade da infância perdida precocemente, desestruturação familiar, incompatibilidade entre corporalidade, auto-imagem e sua representação fotográfica na mídia, narcisismo, banalização dos relacionamentos e ausência de projetos. Por outro lado, a vontade de viajar, a oportunidade de sair de casa assistidas pela agência e o “glamour” trazem a oportunidade de evolução social e cultural. Nesse momento a modelo pode se tornar uma marca.
Como é ser uma marca? A marca dá status a quem a usa. O poder de “ser uma marca” faz vender marcas. A modelo vira um grife. Todos a querem por perto, para isso ganham jantares em restaurantes caros, boates e bares que os comuns mortais tem que pagar. A beleza abre portas, mas fecha outras.
Pode parecer paradoxal, mas muitas modelos têm depois de alguns anos de carreira uma “angústia que apaga o brilho”
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