Aspectos Psicológicos do Processo de Entrevistar


por Miriam Tawil


A entrevista é um encontro, com hora e data marcados, onde vai ocorrer um relacionamento.
Há basicamente dois tipos: um onde o solicitante é o entrevistado e outro onde o solicitante é o entrevistador. Em ambos, o enfoque a ser dados é no entrevistado, que vem ali para dar seu depoimento. Nesse encontro, ambos sofrem impactos e nenhum dos dois sairá igual. Portanto é uma situação desconhecida para ambos, e talvez temida por ambos, que no entanto se dispõem a passar por essa experiência. Haverá necessariamente o impacto do encontro de dois mundos, o que resulta é que ambos, se entrevista correr bem, devem sair modificados. O fator que mais pode assustar o entrevistador inexperiente, é ter que contar consigo e só consigo durante aquelas horas. Portanto podemos perceber a necessidade de estar preparado. Antes e depois, podemos nos preparar. Vou tentar com vocês um exame de questões que podem ajudar nessa tarefa.

Abrindo canais de comunicação e fechando. A entrevista é uma ferramenta, que não deixa de ser uma relação, mesmo porque o olhar humano está no lugar da máquina. A filmagem é sempre feita por alguém da equipe técnica. O entrevistador que fará o contato. O ideal é que a câmera não atrapalhe ou deixe o entrevistado tenso, que deve ser preparado para isso. A entrevista é um diálogo entre duas pessoas, um diálogo sério e com propósito. A ajuda que se pode oferecer é a capacitação. Exige doação por parte do entrevistador, que deve dispor seu tempo, sua capacidade de ouvir e entender, sua habilidade, conhecimento e interesse. É natural, portanto, ficar um pouco ansioso na primeira. À medida que tomamos consciência da nossa inquietação podemos começar a relaxar um pouco. Agora pelo sabemos como nos sentimos. Não sabemos como ele se sente, mas podemos supor que como nós. Ou senão, pior. Logo ele estará diante de nós e o que podemos fazer é criar condições favoráveis, internas e externas, para nosso entrevistado.

Condições externas e internas dizem respeito a sala, barulho ou silêncio, desligar telefones e celular, criar uma atmosfera propícia à comunicação. As roupas devem ser apropriadas, assim como a preparação física para entrevista. Não se deve dormir de madrugada e acordar cedo ou marcar a entrevista para após o almoço. Cada um se conhece e pode saber se tem vontade de cochilar durante a digestão, etc. As condições internas: disposição para o encontro, preparar-se para ouvir, para trazer a si mesmo o máximo que puder. Nada agora é mais importante. Esses dois aspectos ajudam a obter colaboração, ajudam na comunicação e entrevistado se dá conta de nossos objetivos. Geram também uma atmosfera de confiança, mais do que palavras como “pode confiar em mim” ou “eu te respeito”. Essas afirmações de nada ajudarão se o entrevistado não as sentir como verdadeiras. Por isso a pontualidade é importante e se houver atraso, é bom avisar. Comunicamos nosso interesse e nosso respeito de várias formas. A expressão facial revela muito, assim como o tom de voz, e faz com que o entrevistado sinta se há confirmação em nossas palavras ou se há uma máscara. Esta é percebida, às vezes, mais pelo outro do que por nós mesmos. Outro aspecto importante é espontaneidade e autenticidade, sempre tendo os objetivos claros e o controle da situação. O entrevistador deve estar com uma parte de si imersa no que ouve e outra atenta ao que se tem de fazer. Essa parte sensível pode até chorar, comover-se, porém jamais deixar-se invadir e perder o pé da situação. O entrevistador é um profissional e deve evitar tocar no sobrevivente (entrevistado), a não ser que isto seja inevitável a fim de evitar um clima desagradável. Exemplo: Se ele lhe tocar, deixe, não precisa reagir como uma pessoa robotizada na experiência. Devemos estar sempre com o comomsense ligado. Essa empatia vem do sentir com, de se por no lugar do outro por um instante e logo voltar a si. Essa é a tarefa. O importante é não impor nosso espaço ao entrevistado, são como andaimes de construção, servem para nos defender do que tememos, como saber de algo demasiado doloroso. Podemos defrontar com situações difíceis. O mais indicado é enfrentá-las e não apenas nos defender.
Estágios:
A – Abrindo a primeira entrevista:
Situar com clareza o motivo que levou a pedir o encontro - o perigo é que mais tarde a entrevista se transforme em monólogos e conferências ou um misto dos dois. Sabendo para que estamos ali, o resultado é uma entrevista verdadeira onde duas pessoas conversam de maneira séria e objetiva.
B – Explicando nosso papel:
O entrevistado pode querer saber quem somos na instituição, se está com a pessoa certa. Basta que nos identifiquemos, situando nossa posição ali, para que ele prossiga com tranqüilidade. Se nossa posição for discutida, deve ser apenas para esclarecer o que podemos ou não podemos fazer.
C – Emprego de formulários:
Caso seja longo, podemos marcar um dia especial para preencher junto com o entrevistado, aproveitando para estabelecer um relacionamento. O fator tempo e pontualidade é mais que uma cortesia, é respeito e seriedade.
D - Limites claros:
Há três estágios: abertura, desenvolvimento ou exploração e encerramento.


Trauma e memória.

Ter estado na Guerra, criança ou adulto, tem conseqüências em como os fatos são registrados. As crianças lembram de cenas, situações que não podiam entender. Os adultos se dão conta com maior facilidade das relações entre as cenas e os fatos da memória. Uma situação traumática é freqüentemente negada e surge quando algo faz lembrar. Por exemplo: se o sobrevivente perde um amigo ou parente (hoje), detona uma memória traumática sobre morte e perdas na guerra. É uma situação muitas vezes penosa. A vantagem do trauma é a situação é cristalizada, congelada, e é descongelada e sentida quando algo detona esse processo.
Estudos sobre a memória têm demonstrado que esta tem a ver com o processo de sonhar, mesmo que não nos lembremos. Muitas vezes há dificuldade em por as palavras em algo vivido e não verbalizado. Alguns sobreviventes esquecem o acontecido e, desse modo, se defendem do sofrimento. Outros elaboram e tiram proveito da experiência em suas vidas futuras. Outros se desagregam e não se integram novamente. Talvez não se permitam sonhar com o que aconteceu, quanto mais falar.